segunda-feira, 6 de abril de 2020

A quarentena do Capuchinho Vermelho


Tal como na original, há nesta história uma menina, muito amada pela mãe e pela avô, a quem esta mandou fazer-lhe um capucho vermelho. Ficava-lhe tão bem, que em todo o lado lhe chamavam «Capuchinho Vermelho».
Um dia, a mãe, aborrecida por estar em casa de quarentena, fez a quadragésima sétima fornada de pão e bolinhos e disse-lhe:
- Ai, para que quero eu tantos bolinhos!? Não vamos conseguir comer isto tudo sem ficarmos que nem baleias. Olha, vai a casa da avó, levar-lhe esta cestada deles. Mas vai num pé e vem no outro e não te esqueças de calçar as luvas e colocar a máscara. E, se encontrares alguém na rua, mantém pelo menos dois metros de distância, como recomenda aquela senhora da DGS. Se algum polícia te mandar parar, diz-lhe que vais prestar assistência a uma idosa.
Depois de se equipar, a menina saiu de casa ao pé coxinho, mas doeram-lhe as pernas e percebeu que, se calhar, não era bem isso que a mãe queria dizer com aquela coisa de «ir num pé e vir no outro».
Ao passar perto de um bosque, encontrou o compadre lobo que, devido ao estado de emergência decretado pelas autoridades e à consequente escassez de transeuntes em quem ferrar a dentuça, estava com uma fome terrível. Perguntou-lhe este:
- Alto! Onde vais?
A menina estacou e respondeu-lhe, de longe:
- O senhor é polícia? Ai é? Então, digo-lhe que tenho de ir a casa da minha avó, levar-lhe estas compras, porque ela faz parte de um grupo de risco e não pode sair de casa.
O Lobo perguntou onde morava a avó, para «confirmar a veracidade da justificação» da rapariga e mandou-a seguir.
Assim que ela virou costas, desatou a correr em alta velocidade por um atalho da floresta, que usava nos seus treinos de corta-mato. A menina, por seu lado, seguiu pela estrada, que era uma rota mais longa, mas muito mais segura, dado que tinha sido acabada de desinfectar pelos serviços camarários.
Num instante, o bicho chegou a casa da avó e bateu à porta. A velha, no entanto, teimosa como era, desobedecera às recomendações de confinamento social e fora «passear a periquita».
Como a porta estivesse destrancada, o lobo entrou, disfarçou-se como pôde com algumas roupas da avó e enfiou-se na cama dela, à espera que chegasse a moça.
Capuchinho Vermelho não tardou. Quando bateu à porta, o lobo, lá de dentro, disfarçou a voz e murmurou:
- Puxa a cavilha, que o trinco cairá.
Mas a menina respondeu:
- Não, avó. Trago-lhe uns bolinhos que a minha mãe fez, mas deixo-lhos aqui à porta, para não correr o risco de a contaminar a si. Agora, tenho de ir embora, porque as saídas da residência não podem ser muito demoradas e eu não quero levar um processo por desobediência às autoridades. Fique bem, não saia de casa.
Depois de pousar a cesta no degrau da porta, agora que tinha as mãos livres, desatou a correr de volta a casa, como faz a maioria dos miúdos da idade dela.
O lobo, desiludido, praguejou entredentes, porque percebeu que ali não iria encontrar ninguém em quem ferrar a dentuça. Teria de se contentar com os bolinhos. Por isso, agarrou na cesta e voltou para a floresta.

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