Contos curtos de Carlos Alberto Silva, resultado das colaborações na página do Facebook «Escrita de microficção», no blogue «77 palavras» e outros. [Todos os textos são redigidos em total desprezo pelo actual (des)acordo ortográfico]
segunda-feira, 23 de março de 2020
O troll que não quis ficar em casa
No país dos contos de fadas, andava tudo em alvoroço. A bruxa Canhestra, desastrada por natureza, tinha-se enganado numa das suas poções mágicas e mandara a cabana pelos ares. Sobre todo o território, pairava uma névoa esverdeada e pestilenta, que provocava reacções esquisitas em quem a inalava. A começar pela própria bruxa Canhestra, que ficou transformada numa galinha saltitona e passou o resto dos seus dias a saltar à corda e a pôr ovos de borracha.
O centauro Serafim, carteiro de profissão, que ia a passar naquele momento, ganhou um apetite voraz por papel e comeu as cartas todas que tinha para distribuir. A seguir, invadiu a biblioteca e começou a devorar enciclopédias mágicas e romances de encantar. Tiveram de correr com ele à vassourada, senão não tinha restado qualquer livro nas estantes, o que seria uma tragédia.
A Ratinha Vaidosa, que vinha a chegar das compras à sua casa-cogumelo, desatou a cantar ópera em altos berros, com a sua vozinha desafinada. O que fez com que os vizinhos, ensurdecidos pela cantoria, a tivessem de amordaçar violentamente.
Por todo o lado, havia seres atingidos pela tal névoa mágica, manifestando os mais estranhos sintomas.
Depressa os habitantes do país dos contos de fadas perceberam a origem destas perturbações e protegeram a boca e o nariz com máscaras especiais, à prova de feitiços gasosos. Só que não as havia para todos...
O ministro do reino, um cavalo alado muito sábio, decretou então:
- Enquanto a névoa mágica resultante do acidente da Canhestra não se dissipar, toda a gente deve ficar em casa. Fechem portas e janelas e evitem meter o nariz de fora. Já temos uma equipa de fadas, bruxas e feiticeiros a estudar o assunto e a desenvolver uma poção de desencantamento. Até que o problema se resolva, e não sabemos quando, ninguém sai, ouviram?
Os anões, as fadas, as ninfas, os faunos e os restantes seres que habitam o país dos contos de fadas, todos acataram as ordens do ministro do reino. Todos, menos um, o troll Arrebentaportas, que era sempre do contra.
- Vou agora ficar em casa... Tenho mais que fazer. Vou inventar uma máscara à minha maneira e saio quando me apetecer. Tanto mais que, aqui por estes lados, já quase se não vê qualquer névoa.
E se assim o pensou, melhor o fez. Enrolou à volta da boca e do nariz um trapo ensopado numa mistela que usava para desentupir a sanita e saiu. Só que não chegou muito longe. A pouco e pouco, os restos de névoa pestilenta que por ali pairavam atravessaram o tecido da máscara improvisada e o resultado não foi bonito de se ver. O troll Arrebentaportas foi transformado numa batata podre com soluços. E o problema maior é que, sempre que soluça, metamorfoseia-se numa coisa diferente: uma panela de pressão, um chinelo roto, um penico, um ovo escalfado e uma quantidade de outras coisas inesperadas. É bem feito para ele!
E vocês, não esqueçam, enquanto o problema persistir, NÃO SAIAM DE CASA!
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Muito bem inventada.
ResponderEliminarGosto muito.
Está fantástica Carlos e a mensagem é bem atual!
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