terça-feira, 24 de março de 2020

A falta de paciência do jogo das paciências (3)


O homem ficou largo tempo a olhar a rua deserta e mal iluminada, dado que um dos candeeiros de iluminação pública tinha a lâmpada fundida. «Devo ter também a lâmpada fundida», pensou ele. E depois riu-se nervosamente com a ideia. Respirou fundo e decidiu olhar o problema de frente. Se as cartas estavam vivas, e parecia que estavam, não podiam mandar nele daquela maneira. Afinal, eram apenas uns pedaços de cartolina dentro de uma caixa também de cartolina. Tinha sido ele que as tinha comprado na papelaria do bairro, há uns anos, para ocupar o tempo livre, o que era raro. Agora que tinha tempo para jogar, as cartas não queriam colaborar... Não podia ser!

Foi à cozinha buscar o martelo da carne e colocou-o sobre a mesa, ao lado das cartas. Depois, sentou-se de novo e preparou-se para virar a carta da terceira pilha, com o martelo na outra mão.
Respirou fundo, pegou na carta e virou-a de repente, com o martelo no ar. Ouviu-se uma gargalhada escarninha:
- Ah ah ah ah ah! Para que é o martelo? É assim que jogas às cartas? À martelada?
Era o jóquer, com um sorriso de orelha a orelha, fitando-o com os seus olhinhos maliciosos.
- Também perdeste a paciência, tu? - perguntou-lhe o homem com agressividade.
- Não! Eu nunca perco a paciência. E sabes porquê? Porque não faço parte de nenhum naipe. E por falar nisso, eu não devia estar neste jogo. Esqueceste-te de me tirar do baralho.

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