terça-feira, 24 de março de 2020

A falta de paciência do jogo das paciências (5)


O homem estava cada vez mais irritado com a desfaçatez do jóquer.
- Mau, mau, Maria! Deixa-te de tentar ser engraçadinho - zangou-se o homem. - E vamos clarificar as coisas. Tanto quanto percebi, nenhum dos problemas que enumeraste é de agora. Os naipes vão ter de lidar com eles até ao fim dos tempos. Por isso, acaba com os rodeios e explica-me donde vem toda esta impaciência.
- Mas tu ainda não percebeste? - riu-se o jóquer.
- Não percebi o quê? Donde vem a impaciência das cartas de jogar? Como havia de perceber se tu ainda não me explicaste?
- Bem... - disse o jóquer com um suspiro. - Vou ter de te dizer. A impaciência vem... de ti.
- De mim? - espantou-se o homem - Ora essa...

- Sim!!! Quando te impacientas, a tua impaciência contamina tudo à tua volta. Passa para as pessoas e para as coisas que te rodeiam. Para os copos e para os pratos, para a cadeira onde te sentas e até, como viste, para as cartas de jogar. Nada funciona como devia. Respondes torto e as outras pessoas zangam-se contigo e respondem à letra. Pegas num copo e ele cai no chão e parte-se... Estás fechado aqui há algum tempo e já perdeste a paciência. Por isso, é expectável que tudo o resto também.
- Olha, nunca tinha pensado nisso. Se calhar, tens razão - admitiu o homem. - E o que posso eu fazer quanto a isso?
- Muitas coisas. Faz ioga, lê um livro, escreve um poema, ouve uma música de que gostes, tricota, faz um desenho ou um cozinhado especial... É um nunca mais acabar de possibilidades. O que é preciso é que faças alguma coisa que te dê prazer.
E se precisares de desabafar, fala comigo. Sou uma simples carta de jogar, mas responder-te-ei. Posso até dizer umas larachas sem piada, mas faz um esforço e ri-te na mesma. Se assim fizeres, vais ver que será muito mais fácil passar aqui a quarentena, dure ela quanto durar.

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