Uma lagarta de Rhagoletis Cerasi nasceu, como seria de esperar, dentro de uma cereja. Assim que saiu do ovo, começou logo a dizer mal da sua vida:
- Que raio de cereja onde eu havia de nascer, tão azeda e descorada, que pior não há-de haver.
Descontente com a sua sorte, decidiu buscar outra morada.
Arrastando-se, arrastando-se, procurou uma cereja mais a seu gosto. Assim que se instalou, começou de novo a reclamar:
- Que raio de cereja havia eu de escolher, neste canto onde o sol não chega. Aqui, morrerei de frio.
E arrastando-se, arrastando-se, procurou outra cereja mais o seu gosto.
Mal se tinha instalado quando começou novamente a reclamar:
- Que raio de vizinhança me havia de calhar, tão barulhenta, que não vou conseguir dormir descansada.
E arrastando-se, arrastando-se, procurou outra cereja mais o seu gosto. Desta vez, não chegou sequer a instalar-se, quando recomeçou a reclamar:
- Que raio de sítio me havia de caber, tapado pelas folhas, com vista para coisa nenhuma.
E arrastando-se, arrastando-se, foi de cereja em cereja, reclamando e avançando, até chegar ao topo da cerejeira.
Ali, encontrou uma bela cereja, vermelha e rechonchuda, isolada das restantes. Assim que se instalou, a lagarta começou a festejar, tão contente estava com a sua escolha:
- Agora, sim, achei uma morada a meu gosto. Uma cereja madura e doce, num sítio sem vizinhos barulhentos, com sol de manhã à noite. E as vistas, daqui de cima, são um regalo.
Nisto, mergulhou das alturas um melro esfomeado que, de uma só bicada, engoliu a cereja e a sua ocupante, que muito bem lhe souberam.
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