Os eventos daquela manhã prenunciavam mais um dia miserável. Para começar, o carro deu o berro à porta de casa. Resignado a tomar o autocarro, percorreu a contragosto o caminho até à paragem mais próxima. Não chegou a tempo e o seguinte só passaria daí a uma hora, tarde demais Para piorar, começou a cair uma chuva miudinha, insistente. Não trouxera guarda-chuva e sentia a humidade a repassar-lhe os ossos.
Decidiu meter os pés ao caminho e tomar um atalho através do parque. A terra amolecida cedia debaixo dos sapatos, conforme se ia embrenhando entre as árvores. Entregue a si própria, aquela massa vegetal era mais um bosque selvagem que um parque. Mas isso não o preocupava, era território conhecido. Por ali, ganharia, pelo menos, meia hora. Talvez conseguisse chegar a tempo.Numa inclinação do terreno, escorregou. Tentou agarrar-se ao mato, mas as mãos escaparam. Foi a rebolar, ribanceira abaixo, sentindo a lama a ensopar-lhe a roupa e as irregularidades do terreno a magoar-lhe o corpo.
Quando parou, as calças, o casaco, os sapatos, as mãos e o cabelo estava uma lástima. Não reconheceu o local onde estava. Que raio, o parque não era assim tão grande, conhecia cada recanto desde miúdo. No entanto, as árvores pareceram-lhe demasiado altas e musgosas. Até as tonalidades de verde lhe eram estranhas. Sentou-se numa raiz e respirou fundo.
A chuva parara. O sol atravessava as copas das árvores, fazendo cintilar a folhagem ainda molhada. O passaredo enchia o lugar de chilreios, gorjeios e trinados.
Levantou-se, decidido a voltar para trás. Detestava o seu emprego mais que qualquer outra coisa no mundo, mas não podia apresentar-se assim.
Olhou à volta e ficou indeciso. Em que direcção deveria seguir? Não sabia.
Um restolhar da vegetação sobressaltou-o. Estacou, apreensivo e ofegante. O que viu, deixou-o boquiaberto.
Um ser meio humano meio quadrúpede mirava-o, curioso. Que era aquilo? Um centauro? Duvidou da sua própria sanidade mental.
- Bem-vindo! - disse o ser mitológico.
- O quê? - balbuciou ele.
- Bem-vindo! - repetiu o centauro.
- Bem-vindo... a... onde? - perguntou ele.
- Ao bosque encantado dos teus sonhos.
De repente, já nada daquilo lhe parecia absurdo. Sentia-se diferente. A lama que lhe cobria o corpo tinha secado e era como se ele tivesse acabado de sair das mãos de um ceramista grego. As pernas estavam cobertas de longos e escuros pêlos. Jogou fora os sapatos inúteis e reparou que, em vez dos pés, tinha cascos. Levou as mãos ao queixo, onde lhe despontara uma barbicha pontiaguda. Sentiu na cabeça o peso de uns chifres.
Arrancou o que restava das suas roupas. Agora, já não era um bancário infeliz. Era um fauno.
Sorriu ao seu novo amigo e ambos se desvaneceram na penumbra da floresta.
Sem comentários:
Enviar um comentário