segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Uma flor clandestina num país a preto e branco

Era uma flor, uma flor clandestina. Nascera em segredo, num recanto escondido de um país a preto e branco, onde as cores eram proibidas. Não era dali, com certeza, pois era muito colorida.

Não se sabe como foi ali parar aquela flor. Talvez tivesse sido uma semente trazida pelo vento ou pelas asas de um pássaro, de muito, muito longe, que germinara na terra negra e húmida.

De dia para dia, as pétalas daquela flor clandestina ficavam cada vez mais coloridas. Eram sete pétalas, sete cores, as cores do arco-íris: uma pétala vermelha, da cor do fogo e da coragem; uma pétala laranja, da cor do sol e da alegria; uma pétala amarela, da cor das searas e da fraternidade; uma pétala verde, da cor dos prados e da esperança; uma pétala azul, da cor do céu e da liberdade; uma pétala lilás, da cor da madrugada e do amor; uma pétala violeta, da cor do poente e da paz.

Naquele país, tudo era preto, branco ou cinzento: o fogo, o sol, as searas, os prados, o céu, a madrugada e o poente. E, claro, as pessoas. Ali, faltava a coragem, a alegria, a fraternidade, a esperança, a liberdade, o amor e a paz. Ali, só havia fome, miséria, desconfiança e medo.

Por isso, aquela flor apenas poderia viver, clandestina, naquele recanto. No entanto, de dia para dia, a flor inundava-se de cores e as cores transbordavam. O recanto escondido onde nascera e crescera começava a transformar-se, embora tenuamente. Os pretos eram menos opressivos. Os brancos e os cinzentos ganhavam leves tonalidades.

Mas quem passava por perto não dava por nada, porque os olhos daquelas pessoas não estavam habituados a ver mais que o preto, o branco e o cinzento. Até que calhou passar por lá um menino, que deu conta da transformação. Os seus olhos sobressaltaram-se com aquelas alterações, tão ligeiras, que era preciso ser inocente como uma criança para dar por elas.

Aproximou-se e descobriu a flor. Uma sensação de maravilhamento encheu o seu coração. Decidiu levar aquela flor consigo, mas sabia que, se a cortasse, ela morreria em breve. Foi então a casa e trouxe uma pequena pá de jardinagem e um vaso.

Cuidadosamente, desenterrou a flor com as raizes e colocou-a no vaso, aconchegando-a com a terra húmida. Depois, voltou para casa.

E, enquanto caminhava, as cores da flor derramavam-se pela paisagem. Tudo o que, até então, fora preto, branco ou cinzento, tornava-se vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil ou violeta. E as cores misturavam-se e criavam novas cores, novas tonalidades.

Vieram os guardas daquele país a preto e branco, onde as cores eram proibidas, e prenderam o menino e mais a sua flor. Mas as cores já se tinham espalhado por todo o lado e as pessoas sentiram a mesma sensação de maravilhamento que tocara o menino.

Juntaram-se e exigiram a libertação da criança e da sua flor. Não queriam mais um país a preto e branco. Não queriam mais fome, miséria, desconfiança e medo. Queriam voltar a sentir a coragem, a alegria, a fraternidade, a esperança, a liberdade, o amor e a paz.

A partir desse dia, aquele país nunca mais seria a preto e branco.

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