No tempo em que havia calhaus-com-olhos, estes abominaram o sistema de governo democrático que tinham e pediram ao seu deus que lhes desse um caudilho que castigasse todos os que não eram cidadãos «de bem».
Desdenhando a tolice deles, o deus dos calhaus-com-olhos atirou-lhes um pau, dizendo com voz trovejante:
- Eis o vosso caudilho. Usai-o para fustigar quem bem entenderdes.
O pau fez um tal estrondo ao cair que os calhaus-com-olhos entraram em pânico e foram-se esconder. Passado algum tempo, um calhau-com-olhos mais destemido que os outros levantou a cabeça, à procura do novo caudilho. Aproximou-se e tocou-lhe, mas este, como seria de esperar, não se mexeu. Subiu então para cima dele… e os outros seguiram-no. Tinham perdido o medo e isto levou-os a desprezar o seu novo caudilho.
- Este caudilho - disseram eles ao seu deus - é uma vergonha. Por favor, manda-nos um que tenha autoridade absoluta e saiba castigar severamente quem não é «de bem», como nós.
Enfadado com tanta imbecilidade, o deus dos calhaus-com-olhos mandou-lhes um sapo-de-loiça.
O sapo-de-loiça começou de imediato a discursar aos calhaus-com-olhos, com a sua voz esganiçada:
- O vosso deus confiou-me a difícil mas honrosa missão de transformar o mundo de acordo com as aspirações de todos os calhaus-com-olhos.
Seguidamente, começou a bolsar as maiores alarvidades, insultando os seus adversários e incitando ao ódio contra todos os que não eram cidadãos «de bem», isto é, todos os que não eram calhaus-com-olhos.
Os calhaus-com-olhos exultaram e agradeceram ao seu deus com grandes manifestações de júbilo:
- Obrigado, nosso deus, este caudilho que nos mandaste foi criado verdadeiramente à nossa imagem e semelhança. Amém!
[Adaptado da fábula de Esopo «As rãs que queriam um rei». Qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência.]