segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

A tartaruga amnésica

Na longínqua e misteriosa China, andava uma velhinha vasculhando os rochedos da maré baixa à procura de algo para comer quando encontrou uma pequena tartaruga marinha. «Que bela sopa vou eu fazer com esta tartaruga» pensou; pegou nela e levou-a para casa.
A tartaruga, que embora pequena era ainda mais velha que a velhinha, não teve outro remédio senão conformar-se com a sua pouca sorte. Já tinha percorrido tantas milhas ao longo dos oceanos do mundo, já tinha deixado os seus ovos em tantas praias arenosas, que se dava por satisfeita com a vida que tinha tido.
Chegada a casa, a velhinha colocou a tartaruga sobre a mesa da cozinha e foi apanhar umas ervas aromáticas para a sopa. A tartaruga, assim que se sentiu imóvel, deitou a cabeça de fora da carapaça e viu que estava sozinha. Estendeu as barbatanas e tentou descer da mesa. Mas, como não reunia as competências físicas para o fazer, deu um enorme trambolhão, bateu com a cabeça e perdeu os sentidos. Quando voltou a si, tinha perdido todas as referências sobre a sua identidade e experiência passada. Estava amnésica.
Por uma estranha associação de ideias, a tartaruga amnésica convenceu-se que era um cão. Quando a velhinha voltou, encontrou-a no chão, a latir, correndo atrás do rabo.
A encarquilhada chinesinha não ganhou para o susto. Mas, passada a perplexidade inicial, pensou para os seus botões: «Se os deuses fizeram chegar a mim esta extraordinária criatura, decerto não foi para que eu fizesse dela uma sopa. Devem ter-se apiedado da minha solidão e enviaram-me uma companhia para me alegrar até ao fim dos meus dias».
E foi assim que a tartaruga passou de projecto gastronómico a animal de companhia. Daí aquele provérbio chinês que diz: «Nem só os cães ladram: as cadelas também; e por vezes as tartarugas».

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