terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A ervilha capitalista


Toda a gente se lembra da famosa princesa que afirmou a pureza da sua estirpe ao dar-se por incomodada com uma ervilha que estava muito quieta e calada debaixo de uma caterva de colchões, edredões, travesseiros, mantas, cobertores e outros agasalhos sobre os quais dormira (coitado do príncipe que casou com ela; com uma tipa tão comichosa, deve ter passado as passas do Algarve…). O que ninguém se perguntou ainda, foi: «Então e a ervilha? A ervilha não é gente? Que foi que lhe aconteceu?» É exactamente o percurso dessa ilustre leguminosa que aqui vamos tentar desvendar.
Depois de constatar que a dita não fazia parte das jóias reais nem estava num museu (conforme sugerem as crónicas da época), iniciámos uma intensa investigação que nos conduziu aos baixos do palácio. É que é normalmente aí que se situa a cozinha.
A opinião do cozinheiro foi de que a ervilha, para provocar tanto chinfrim, já não estava em estado de ser cozinhada. Era, de certeza, uma ervilha seca, boa para a sementeira. E o melhor seria perguntar ao hortelão real se ouvira falar dela. Mas o hortelão não soube adiantar mais nada. Pelo que decidimos dar outro rumo à investigação.
Deixámos o palácio atrás das brumas da fantasia e dirigimo-nos ao mundo real. O do capitalismo selvagem, da pobreza endémica e da violência gratuita. Foi aí que a encontrámos. Desgostosa com a pouca importância que tivera na história - embora reconhecesse a Hans Christian Andersen «uma grande capacidade efabulatória» - a ervilha tinha batido com a porta para fazer pela vida noutras paragens. Entre outras coisas, fez parte de um «gang» mafioso, onde estava encarregue das torturas, mas as suas pretensas vítimas não tinham a sensibilidade cutânea da princesa da história. Tentou ainda a carreira militar, mas o máximo que conseguira realizar fora um «galo» na tola rapada de um recruta desmiolado, ao ser projectada por outro recruta desmiolado. Acabara por se tornar empresária do ramo alimentar.
Estava nesse momento a tratar da «deslocalização» de uma das suas fábricas para um país de Leste. Perguntámos o que ia acontecer aos 324 trabalhadores que essa decisão lançava para o desemprego. «É um mundo cão - desabafou - mas o que havemos de fazer?» E voltou-nos as costas, dizendo: «O capitalismo não tem pátria».
Pois é! Mas, à conta disso, são sempre os mesmos que pagam as favas!

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